Pai do LSD lamenta ver seu 'remédio da alma' proibido: Albert Hoffman afirma que só tomaria a droga de novo antes de morrer
BURG, SUÍÇA - Albert Hoffman, pai do LSD, caminha pelo escritório de seu apartamento, no alto de uma colina gramada, para mostrar a um visitante a vista que tem nos dias claros. Mas, do lado de fora, há apenas um manto de névoa branca, além da crista da colina. Ele pega uma foto da vista na escrivaninha, deixada ali talvez para convencer visitantes do que realmente se esconde por trás do vidro.
Na quarta-feira, Hoffman completou 100 anos - um marco a ser comemorado por um simpósio na Basiléia (Suíça) sobre o complexo químico que descobriu e ficou famoso por destrancar as portas da percepção e alterar consciências no mundo inteiro. A conversa de Hoffman gira insistentemente em torno da união do homem com a natureza.
"Nas grandes cidades, há pessoas que nunca viram a natureza, todas as coisas são produtos dos humanos." Sim, prossegue, o LSD, que ele chama de seu "filho problemático", pode ajudar a reconectar as pessoas ao universo.
Ele está fisicamente limitado, mas mentalmente lúcido. É pródigo em digressões, passeando por suas memórias de menino. Seus olhos brilham com a lembrança da experiência que teve no caminho de uma floresta 90 anos atrás nas montanhas de Baden, na Suíça - e à qual retornou em sua primeira "viagem" com LSD. "Nossos olhos vêem apenas uma pequena fração da luz no mundo. (O LSD) é um truque para tornar o mundo colorido, que não existe fora dos seres humanos."
O 25.º COMPONENTE
Hoffman estudou Química e conseguiu emprego na empresa farmacêutica suíça Sandoz Laboratories porque havia começado um programa para identificar e sintetizar os componentes ativos de importantes plantas medicinais. Logo começou a trabalhar com o fungo venenoso ergot, que cresce nos grãos de arroz e foi usado durante séculos por mulheres grávidas para precipitar o trabalho de parto.
Americanos identificaram o princípio ativo do fungo como ácido lisérgico - e Hoffman começou a combinar outras moléculas a ela. Produziu várias drogas importantes, incluindo uma ainda em uso para evitar hemorragia depois do nascimento.
Mas foi o 25º componente que ele sintetizou, a dietilamida do ácido lisérgico (LSD25), que teria grande impacto. Quando o criou, em 1938, a droga não teve nenhum resultado farmacológico significativo. Mas, ao concluir o trabalho sobre o ergot, voltou ao LSD25, esperando detectar o efeito estimulante no sistema circulatório que ele esperava.
Foi numa tarde de sexta-feira de abril de 1943, enquanto sintetizava a droga, que experimentou pela primeira vez o estado de consciência alterado pelo qual ela ficou conhecida. "Reconheci isso como a mesma experiência que tive quando criança", conta.
Quando voltou ao laboratório na segunda-feira seguinte, tentou identificar a fonte da experiência, acreditando que havia vindo dos fumos de um solvente parecido com clorofórmio que estava usando. Mas, ao inalá-los, nada sentiu. Percebeu que devia ingerir um pedaço de LSD.
"O LSD falou comigo", lembra Hoffman, com um sorriso animado e agradável. Ele tomou uma dose pequena da droga. O resultado, entretanto, foi uma experiência poderosa, durante a qual ele andou de bicicleta dentro de casa, acompanhado por um assistente. Esse dia, 19 de abril, ficou conhecido pelos entusiastas do LSD como "o dia da bicicleta".
VIAGEM PLANEJADA
Hoffman participou de testes no laboratório Sandoz, mas achou a experiência assustadora e percebeu que a droga deveria ser usada apenas em circunstâncias cuidadosamente controladas. Em 1951, escreveu para o romancista alemão Ernst Junger e propôs que tomassem o LSD juntos. Cada um deles tomou 0,05 miligramas de LSD puro na casa de Hoffman acompanhado de rosas, música de Mozart e incenso japonês. "Aquele foi o primeiro teste psicodélico planejado", lembra.
Ele tomou a droga dezenas de vezes depois disso e, numa delas, experimentou o que chamou de "viagem de horror". Estava cansado e Junger lhe dera anfetaminas antes. Mas seus dias alucinógenos passaram há muito tempo. "Talvez (use novamente) quando estiver morrendo, como Aldous Huxley" - o escritor inglês pediu à mulher que lhe desse injeção de LSD para ajudá-lo a agüentar as dores de um câncer na garganta.
Hoffman chama o LSD de "remédio da alma" e está frustrado com a proibição mundial que o levou para a marginalidade. "Foi usado com sucesso durante dez anos na psicanálise", diz.
Ele vive com a mulher na casa que construíram há 38 anos. Criou quatro filhos e assistiu à luta perdida por um deles contra o alcoolismo. Tem oito netos e seis bisnetos. Pelo que sabe, ninguém em sua família, além de sua mulher, provou o LSD.